Os limites da cláusula indenizatória à luz da Lei da Liberdade Econômica em contratos entre paritários
- Leonardo Gonçalves
- 21 de ago.
- 4 min de leitura

A promulgação da Lei nº 13.874/2019 — conhecida como Lei da Liberdade Econômica (LLE) — representou um marco na revalorização da autonomia privada e da segurança jurídica nos contratos civis e empresariais, sobretudo aqueles firmados entre partes paritárias, ou seja, com similaridade técnica, jurídica e financeira.
Ao longo do tempo, o Direito Contratual brasileiro se equilibrou entre dois polos: a liberdade de contratar e a função social do contrato. A LLE buscou reposicionar essa balança, reforçando a autonomia da vontade, mas sem afastar o controle judicial quando estiverem em jogo princípios de ordem pública, como a boa-fé objetiva e a proibição do enriquecimento sem causa.
Este trabalho se propôs a estudar com profundidade os limites da cláusula penal (indenizatória) à luz do novo regime introduzido pela LLE, especialmente quanto à sua aplicação, revisão e eventual redução em contratos entre paritários.
1. A Lei da Liberdade Econômica e seu impacto contratual
A LLE foi editada com o objetivo declarado de promover um ambiente mais livre, desburocratizado e seguro para a atividade econômica privada. Em meio a uma profunda crise econômica e política, a nova legislação trouxe mudanças relevantes ao Código Civil, especialmente:
O parágrafo único do art. 421, que consagrou o princípio da intervenção mínima e da excepcionalidade da revisão contratual;
O art. 421-A, que passou a presumir a paridade e simetria entre as partes, autorizando-as a:
Definir parâmetros objetivos de interpretação contratual;
Realizar a alocação de riscos;
Exigir que a revisão contratual ocorra de forma excepcional e limitada.
A aplicação dessas normas sinaliza ao intérprete que, em contratos entre partes equivalentes, o Estado deve abster-se de interferir, salvo em casos excepcionais e devidamente fundamentados.
2. Cláusula penal: natureza, funções e limites
A cláusula penal é um instrumento clássico de gestão de risco contratual. Ela tem como finalidade precípua a estipulação antecipada das perdas e danos em caso de inadimplemento, mas também cumpre uma função coercitiva, reforçando o cumprimento do contrato e desincentivando o descumprimento.
Doutrinariamente, essa cláusula é interpretada à luz de quatro teorias:
Teoria da pena: sanção civil imposta à parte inadimplente;
Teoria da pré-avaliação: antecipação da indenização;
Teoria do reforço: instrumento de pressão para o cumprimento do contrato;
Teoria eclética (predominante): conjuga as finalidades acima.
Contudo, sua aplicação não é ilimitada. O artigo 413 do Código Civil prevê que a penalidade deve ser reduzida equitativamente se a obrigação for cumprida em parte ou se for manifestamente excessiva.
3. O confronto entre a liberdade de contratar e o controle judicial
Apesar do reforço legislativo à autonomia da vontade promovido pela LLE, o art. 413 não foi revogado ou modificado. Isso cria uma tensão interpretativa: de um lado, a autonomia reforçada dos contratantes paritários; de outro, a norma de ordem pública que autoriza o Judiciário a intervir para conter abusos.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem sido firme em afirmar que:
A cláusula penal pode ser reduzida de ofício (REsp 1.447.247/SP);
Trata-se de norma de ordem pública, insuscetível de renúncia pelas partes (enunciado 355 da I Jornada de Direito Civil);
A redução é devida mesmo em contratos entre partes com evidente capacidade de negociação e igualdade de condições (REsp 1.516.604/SP).
Essa linha reforça a ideia de que, mesmo em ambiente de liberdade econômica, o contrato ainda é limitado por princípios estruturantes como a equidade e a função social.
4. A cláusula penal como expressão do risco do negócio
Nos contratos empresariais, a cláusula penal reflete diretamente a alocação de riscos previamente ajustada. Essa previsão antecipa as consequências do inadimplemento, permitindo às partes calcular o custo-benefício de entrar (ou sair) de determinada relação contratual.
No entanto, mesmo essa escolha racional e consciente pode ser revista judicialmente, caso a penalidade ultrapasse limites de proporcionalidade e razoabilidade. O risco do negócio, portanto, deve ser suportado conforme pactuado — mas sempre em harmonia com o sistema jurídico como um todo.
5. Reflexões finais
A análise crítica dos dispositivos legais e da jurisprudência atual revela que a autonomia contratual, embora reforçada, não é absoluta. A cláusula penal continua subordinada ao controle judicial, sobretudo para conter abusos e assegurar o equilíbrio das prestações.
O papel do julgador, nesse contexto, é de garantir que a cláusula penal não se torne um instrumento de desequilíbrio econômico ou opressão contratual, ainda que tenha sido acordada por partes livres e equivalentes.
Assim, enquanto não houver reforma legislativa do art. 413 do Código Civil, o poder de reduzir a cláusula penal continuará prevalecendo sobre a vontade das partes, mesmo em contratos entre paritários.
📌 Essa discussão é essencial para quem atua na negociação, redação e revisão de contratos civis e empresariais, especialmente no contexto da nova economia.
A Lei da Liberdade Econômica avançou ao dar mais voz e responsabilidade ao particular, mas os pilares do direito contratual brasileiro — boa-fé, equilíbrio e função social — permanecem inegociáveis.
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