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Chapter 11 como Fato Relevante para Substituição da Garantia Locatícia: Diálogo entre Sistemas de Recuperação Empresarial

  • Foto do escritor: Leonardo Gonçalves
    Leonardo Gonçalves
  • 16 de jun.
  • 4 min de leitura

Os sistemas de recuperação empresarial no Brasil e nos Estados Unidos apresentam diferenças estruturais relevantes, tanto quanto aos requisitos para seu ajuizamento quanto aos efeitos jurídicos que produzem sobre as relações contratuais vigentes.


No Brasil, a recuperação judicial, regulada pela Lei nº 11.101/2005, exige a comprovação da atividade empresarial regular por mais de dois anos, demonstrações contábeis atualizadas, situação de crise econômico-financeira e, em muitos casos, regularidade fiscal. O processamento da recuperação somente produz efeitos após decisão judicial específica que defere o pedido, momento em que se inicia o stay period e a suspensão das execuções contra o devedor.


Já nos Estados Unidos, o procedimento de Chapter 11 do U.S. Bankruptcy Code é caracterizado por maior flexibilidade e menor formalismo. Não há exigência de tempo mínimo de operação ou de regularidade fiscal, e os efeitos protetivos ao devedor são automáticos, iniciando-se com o simples protocolo da petição. Além disso, o Chapter 11 se aplica tanto a pessoas jurídicas quanto a pessoas físicas, e permite ampla negociação direta com os credores, incluindo mecanismos como o cramdown.


Apesar de o Chapter 11 não produzir efeitos jurídicos automáticos no Brasil, sendo necessária a homologação de sentença estrangeira pelo Superior Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 961, § 5º, do CPC. Todavia, o seu ajuizamento no exterior pode, ainda assim, ser invocado como fato relevante no âmbito de um contrato submetido ao direito brasileiro, especialmente na hipótese em que o contrato contenha cláusula expressa prevendo a substituição da garantia em caso de deterioração da confiança ou risco à solvência do locatário.


Nessa perspectiva, o locador, que celebrou um Contrato de Locação/Subcessão no Brasil, para um imóvel situado no pais, não pleiteia o reconhecimento dos efeitos jurídicos da Chapter 11 no Brasil (como o stay ou a limitação de ações de cobrança), mas apenas se vale do fato objetivo da sua instauração como indicativo de agravamento da situação econômico-financeira do locatário. Trata-se de uso legítimo do evento como fundamento para preservar o equilíbrio contratual e exigir a substituição da garantia prestada, conforme pactuado entre as partes.


Nesse sentido vale destacar o posicionamento da jurisprudência pátria que reconhece a necessidade de alteração da garantia quando o fiador ingressa em uma recuperação judicial:


PROCESSUAL CIVIL E CIVIL - LOCAÇÃO COMERCIAL - ALUGUÉIS - INADIMPLÊNCIA - ORDEM DE DESOCUPAÇÃO VOLUNTÁRIA SOB PENA DE DESPEJO - POSSIBILIDADE - REQUISITOS LEGAIS - DEMONSTRAÇÃO - OCORRÊNCIA 1 Nas ações desalijatórias, verificado o cumprimento dos requisitos legais, é de rigor a concessão liminar da ordem de desocupação, sob pena de despejo forçado. 2 Em regra, a purgação da mora elide a rescisão contratual e a possibilidade de despejo, no entanto, a própria Lei n. 8.245/1991 veda, expressamente, a emenda da mora "se o locatário já houver utilizado essa faculdade nos 24 (vinte e quatro) meses imediatamente anteriores à propositura da ação" (Lei n . 8.245/1991, art. 62, parágrafo único). 3 Conquanto o contrato de locação conte, a princípio, com fiança prestada por pessoa jurídica, a garantia se torna inidônea e incapaz de assegurar a avença quando o fiador-garantidor ingressar em recuperação judicial . 4 Prestada caução pelo locador, evidenciada a inadimplência do locatário, a impossibilidade de nova purgação da mora e, enfim, demonstrado que a garantia contratual tornou-se inidônea, é cabível, no caso concreto, a concessão da ordem de desocupação voluntária, sob pena de despejo forçado. (TJ-SC - AI: 50386360420238240000, Relator.: Luiz Cézar Medeiros, Data de Julgamento: 22/08/2023, Quinta Câmara de Direito Civil) ("Grifo Nosso")


Contudo, fica a pergunta se as decisões judiciais brasileiras poderiam vincular ou obrigar o locatário a prestar uma nova garantia. Nesse sentido, vale lembrar que a jurisprudência brasileira já reconhece que a função das garantias locatícias, fiança, seguro fiança, caução é de natureza assecuratória e preventiva, e que a deterioração da capacidade de cumprimento da obrigação por parte do devedor justifica sua substituição. Portanto, deve-se observar a situação econômica financeira do fiador, a despeito do lugar que se iniciou a Recuperação judicial.


Conforme lecionar Sylvio Capenama "a substituição da garantia, para se recompor o alicerce econômico do contrato", ou seja, a deterioração da garantia implica diretamente na perda das premissas de segurança estabelecidas livremente entre as partes no momento de celebração do Contrato.


Nesse contexto, o ajuizamento de um procedimento de reorganização empresarial em jurisdição estrangeira, mesmo sem efeitos formais no Brasil, é suficientemente revelador da existência de risco que fragiliza a confiança contratual.


Portanto, prima facie, ainda que o Chapter 11 não tenha sido homologado no Brasil, o seu ajuizamento nos Estados Unidos pode e deve ser considerado pelo locador como fato concreto de inadimplemento potencial, autorizando, nos termos do próprio contrato e do princípio da boa-fé objetiva, o requerimento de substituição da garantia locatícia. Tal postura, longe de representar ingerência indevida em jurisdição estrangeira, reflete a aplicação legítima do direito brasileiro aos contratos celebrados e executados no país, preservando sua função social e assegurando a estabilidade das relações contratuais.


BIBLIOGRAFIA:


Sylvio Capanema de Souza. A Lei do inquilinato Comentada. Artigo por Artigo. 13Ed. Atualizado por Beatriz Capanema Young. Forense 2021. Rio de Janeiro.

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